Moda e Música com Isa Menta: Trap ostentação

Moda e Música com Isa Menta: Trap ostentação

Oi, gente! Isa Menta aqui para começar mais um Moda e Música, o quadro que reúne histórias, indicações e curiosidades dos dois universos no Esse Tal de Rock and Roll. Em meados de 2010, o cenário musical passou por algumas mudanças, principalmente no meio do rap, quando o grupo Racionais MCs (originado por volta da década de 90) deixou de ser o mais consumido e escutado pela população jovem. As letras de denúncia às injustiças sociais e até mesmo a desigualdade nas periferias começaram a dar lugar a uma outra vertente dentro do estilo, que passou a evidenciar mais o papel das mulheres na sociedade (antes marginalizadas no hip-hop), tratar de questões identitárias e até mesmo ligadas à pauta LGBT. Juntamente a isso, houve o deslocamento de artistas que desejavam falar de outros temas para o que foi chamado posteriormente de “trap”, que é o tema da coluna de hoje.

Post Malone

Por unir elementos que marcaram o hip-hop norte-americano, como a cultura do lean e principalmente por ser uma união da estética do funk ostentação com as novas preocupações relacionadas às letras do gênero, o “trap” se tornou um estilo em que frequentemente pautas como dinheiro, drogas, mulheres, armas e sexo são colocadas como principais. Nesse contexto, é interessante apontar a ruptura com o rap da década de 90: se antes as rimas denunciavam as dificuldades no dia a dia da favela, agora o “trapper” deseja curtir o momento distante dos problemas sociais que o cercam. A ostentação, nesse sentido, é uma espécie de representação do poder que a música trouxe para eles, principalmente por terem mudado de vida/realidade através dela.

 As correntes de ouro e diamantes, os carros esportivos e luxuosos nas garagens e as mídias com bebidas caras e ostentando notas de dinheiro na internet são elementos que simbolizam na cena a concepção do que é ascender na vida financeiramente. A moda também não é deixada de lado, já que a forma com a qual um “trapper” se veste rapidamente se torna sua marca registrada e para isso, muitos se apoiam nas grifes. Versace, Balenciaga, Louis Vuitton e Prada são alguns dos nomes que acompanham essa expressão de status e pertencimento por parte dos cantores.

Embora ainda seja alvo de discussões onde o “trap” nasceu no Brasil, o fato é que cada dia mais o número de artistas do subgênero vem crescendo e junto à isso, a quantidade de gente ostentando nas redes sociais. Há pouco tempo, o jovem de 15 anos conhecido como Mc Caveirinha foi visto no shopping JK Iguatemi, um dos mais caros e elitistas de São Paulo, fazendo compras na Prada. Dentre elas, um sapato de aproximadamente 25 mil reais, que compôs o restante do visual, já contando com joias que chegavam até R$100 mil. Se por um lado, há a extravagância e o apreço pelo glamour que essas marcas oferecem, por outro, no cenário do “trap”, o que existe é um sentimento de superação. Kauê  (seu nome verdadeiro) e o seu irmão também cantor Kaique – o Kayblack – se viram há alguns anos diante de uma situação de despejo e demolição de onde moravam por causa de uma reintegração de posse. A falta de condições financeiras, somada aos preconceitos já vividos por serem uma família negra e a expectativa de poder proporcionar uma vida tranquila para a mãe são fatores lembrados por Mc Caveirinha em suas letras, principalmente na música “Favelado Também Pode”.

Os irmãos são hoje em dia algumas das principais figuras que marcam a cena do “trap”, fazendo cerca de 10 shows por semana, com cachês que beiram os 250 mil reais. Além disso, já foram incluídos na lista da Forbes Under 30 por conta de seu faturamento e relevância para o estilo. Kayblack e Caveirinha chegaram a assinar contrato com as marcas de luxo Hugo Boss e Lacoste, que também patrocina outros cantores brasileiros do rap, como o MD Chefe, que inclusive, foi o primeiro a conseguir esse feito. O rapper carioca ficou conhecido como o “Rei da Lacoste”, frequentemente mencionando a grife em suas letras. Seu objetivo era poder mostrar para os jovens da favela que eles podiam usar Lacoste do jeito deles. A parceria com a marca trouxe a visão de como o povo da comunidade consome e tem seu jeito de vestir as roupas, diferente de outros lugares pelo mundo. No entanto, após um tempo, o artista acabou por boicotar o crocodilo junto com outros famosos, já que a grife divulgou uma campanha que contava apenas com pessoas brancas e ricas, sendo que no Brasil, segundo os rappers, trappers e funkeiros, este não é o público que consome a Lacoste de fato.

Nas paradas musicais, o sertanejo vem sendo desafiado pelo “trap”, já que este conseguiu tomar de uma forma bem rápida as primeiras posições. Nomes como Filipe Ret, Matuê, a dupla Hyperanhas, as irmãs Tasha e Tracie, Ebony, Veigh e Sidoka são alguns dos principais na cena. O sucesso é tanto, que chegou inclusive nas novelas. O Mc Cabelinho, que antes focava só no funk, entrou para esse meio do rap e atualmente interpreta Hugo em “Vai na Fé”, transmitida na Rede Globo.

Matuê

Dentro das novas representações pretendidas dentro desse subgênero, as artistas que compõem o Hyperanhas, por exemplo, Andressinha e Nath Fischer, defendem bastante a ideia de que se homens podem escrever músicas sobre drogas, sexo e curtição, mulheres também têm essa liberdade. A ostentação, nesse contexto, é para elas uma forma de mostrar através da música que mulheres podem fazer e alcançar tudo aquilo que quiserem. No caminho contrário, Matheus Brasileiro Aguiar – o Matuê –, decidiu viver uma nova fase e abandonar a prática que consagrou o início de sua carreira. “Prefiro passar não a ostentação sem fundamento, mas a sensação de realização e conquista. A base do que estou tentando fazer agora é mudar um pouco a mente dos meus ouvintes e fazer realmente eles pensarem, enxergarem valor em outras coisas.”, disse o cantor em bate-papo com a UOL.

A frequente valorização do uso ostensivo da maconha é também uma pauta a ser comentada. As letras falam de uma forma bem natural da Cannabis, assim como pode ser observado nas músicas dos rappers/trappers Orochi, Filipe Ret e outros. Por esse motivo também, o trap ainda é visto com maus olhos por algumas pessoas. Enquanto uns argumentam que essa ostentação toda alimenta ainda mais o consumismo e a ideologia capitalista, outros lembram que a maioria dos artistas cantam sobre seus sonhos e expectativas e estes não podem ser reduzidos apenas a um mero desejo consumista. Os carros, as bebidas, as mulheres e o dinheiro fazem parte de um cenário no qual o artista encontra uma espécie de esperança após enfrentar cotidianamente as opressões, violências e jornadas exaustivas.

Essa é uma situação complexa de analisar. Mesmo sendo um estilo que eu gosto e escuto muito, acredito que o problema está em ter esse sonho condicionado a um cenário em que exclusivamente o consumo é abordado, nada mais. Por outro lado, de uma forma geral, é um gênero muito importante socialmente falando, já que é o instrumento para que diversas realidades, denúncias e indignações sejam expressadas. É através dele que inúmeros jovens se veem inspirados a seguir seus caminhos e é justo que se mostre uma realidade melhor, mas com certa responsabilidade perante ao público.

E você, o que acha dessa ostentação? É uma maneira de traduzir mesmo uma superação ou ela poderia ser demonstrada de outro jeito? Me conta lá no instagram, @isaamenta, eu sou a Isa Menta e esse foi mais um Moda e Música, o quadro que reúne histórias, indicações e curiosidades no Esse Tal de Rock and Roll. Obrigada e até a próxima!

Ouça novamente a coluna Moda e Música que foi ao ar na Rádio Inconfidência:

E você, curte trap? Conta pra nós comentários!

Isabella Menta

Isabella Menta

Isabella Menta (ou só Isa) é mineira, designer de moda e bacharel em ciências humanas, atualmente cursando ciências sociais na UFJF. Apaixonada por moda desde cedo, decidiu unir dois universos até então distintos (mas que se complementam) através do quadro Moda e Música, trazendo histórias, curiosidades e indicações.