Serotonin

Serotonin

Do garoto de classe média desamparado pela falta de atenção dos pais ouvindo “Out of Blue Comes Green” em sua vitrola, pulamos direto para o adulto casado em 2022, no show do próprio A-ha em Belo Horizonte. No setlist, todas músicas do álbum “Hunting High and Low”. E por que diabos eu comecei citando este show em específico? Para dizer que foi uma das poucas vezes em que senti prazer genuíno ao assistir a um show: quanto mais desconhecidas as músicas (por todos, obviamente, não por mim), como “Here I Stand and Face the Rain”, mais eu me aproximava do êxtase. 

Sentir prazer é algo bastante difícil para mim. Em todas as áreas da minha vida que você imaginar. Talvez culpe o déficit de serotonina, como fez a Girl in Red em uma de suas músicas mais pegajosas. Ou talvez a minha culpa introjetada durante os muitos anos em que frequentei o Colégio Sagrado Coração de Jesus. Instituições católicas são assim: fazem de tudo para você se sentir o mais miserável possível se um dia pensar em simplesmente viver sua vida sem recorrer aos dogmas da Igreja. E o estrago que um bando de freiras mercenárias fez na cabeça de um jovem virgem e inseguro é inexplicável. 

Estudar em um colégio católico era como viver na época da Inquisição, com uma fogueira cheia de revistas Playboy que eram tratadas como contrabando quando detectadas na mochila de um ou outro colega de hormônio em fúria. Eram proibidas demonstrações públicas de afeto, no mesmo balaio do uso de bonés, tatuagens e a personalização dos uniformes. Pinto e bunda, então, era melhor que nunca ficassem à mostra debaixo das calças de flanela, algo bem difícil de acontecer. Masturbação era um tíquete direto para o inferno, a ponto de eu praticar a abstinência com medo de o capiroto me aguardar na esquina. Sexo, então? O pecado que só perdia em estatura para o assassinato.    

A partir destes dados, você já deve imaginar que minha vida “amorosa” foi um desastre, certo? E foi mesmo. Ou melhor, não foi, eu apenas perdi a capacidade de enxergar qualquer coisa de positivo nessa área, uma vez que o saldo deixado pelas discípulas de Jesus foi uma autoestima estraçalhada e uma coleção de bullyings e bullies que se perpetraram mesmo depois que deixei o antro de tortura e falsidade localizado na Professor Moraes. O verdadeiro paraíso dos Cidadãos de Bem Tementes a Deus, estes que hoje saíram das suas cavernas e vestem verde e amarelo com orgulho da própria ignorância.  

E não ache que cheguei a um acordo com minha própria consciência a ponto de perdoar todos que me fizeram passar por esses constrangimentos. É com uma tranquilidade franciscana (desculpe a ironia) que eu quero que cada freira, cada padre, cada igreja sucumba diante dos males que propagam à sociedade disfarçados de bem. Ah, Marcos, mas não seja tão radical… Radical foi me tirar de uma sala de aula aos 15 anos de idade para perguntar se eu era órfão uma vez que o pagamento da mensalidade estava atrasado. Que hoje esses supostos religiosos brindem seus copos de leite com Hitler no quinto dos infernos, onde, peraí, a mensalidade nunca atrasa.          

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Marcos Tadeu

Marcos Tadeu

Jornalista, idealizador e apresentador do Rock Cabeça na 100,9 FM, Rádio Inconfidência FM (MG) desde 2016. Acima de tudo, um fã de rock gringo.